terça-feira, fevereiro 13, 2007

6 anos

Estava evitando escrever porque não agüento.

Não podia, não queria escrever sobre outra coisa, mas não conseguia falar sobre isso.
Fico afastando a história da cabeça porque é forte demais para minha resistência. Cada vez que penso, sinto enjôo, temo que minha cabeça vá explodir.

Choro por um milhão de bobagens, de carências, de expectativas não realizadas – e quando penso na mãe do João, choro de vergonha. Como posso me importar com tão pouco?

Como ela está agora, nesta madrugada de domingo? Como suporta o sofrimento tão brutal, a memória, a piedade, a compaixão, a existência, a dor? O horror, o horror?
Vivo me repetindo. Já escrevi muitas vezes sobre o horror. Eis que algo pior aparece, insuportável.

Botaram fogo em um carro com gente no porta-malas.
Botaram fogo em um ônibus com gente dentro.
E agora isso.
Não agüento pensar – e, para escrever, preciso.

Eu cansada, com sono, chateada, contrariada. Besteira, inutilidade. E a mãe do menino? Não paro de me assombrar.

Agora há pouco, na cama, me ocorreu que, para piorar a pior dor do mundo, ela deve se sentir culpada. Sei como é isso. Quando descobri a leucemia da minha filha, não conseguia evitar o pensamento torturante de que eu deveria ter desconfiado antes, levado ao hospital antes, investigado logo as benditas manchas roxas que não saravam. No fundo, junto com o medo-pavor de não dar certo, um monstro de culpa me engolia – eu podia, no meu vacilo, ter acabado com a vida dela.

Imagine essa mãe, se perguntando por que saí de casa, por que fui por ali, por que não fiz outro caminho, por que não saí mais cedo, por que peguei o menino, por que prendi o cinto, por que não consegui soltar o cinto...

Pelo amor de Deus.
Deus proteja, ampare, console, sustente essa mulher.

Deus, seja lá o que for que as pessoas acreditam que seja – um ser, uma possibilidade, o Bem, o amor, a essência pura de todas as coisas –, ilumine a humanidade perdida. A civilização fracassada. E não permita mais que uma pessoa viva 16, 18, 21 anos e depois desse tempo todo chegue ao ponto em que não tem a mínima preocupação, zelo, cuidado, respeito com a vida de outra, aflição com a dor de outra. Não permita nunca mais, meu Deus, que uma pessoa viva seis anos, seis anos só, seis longos anos, e depois de sentir dor e alegria, de acordar e dormir, de aprender a fazer as coisas sozinha, e fazer amigos, e pedir presentes, e querer brincar e não fazer lição, e ver TV e não ir para a cama, e desenhar e jogar bola, e ter curiosidade e medo e desejos e esperteza e um rosto e uma história, termine a vida dessa maneira.


Esse texto foi escrito pela ótima Soninha, uma das pouquíssimas pessoas relevantes que saíram da MTV.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Escrever o que?
quando a palavra não basta...
quando o silêncio não responde...
quando o olhar nada diz...

Pensar em que?
quando as saídas estão fechadas
quando as alternativas são obscuras
quando seu olhar não está aqui...

Fazer o que?
dilacerar meu peito
pensando num amor que ainda não foi embora..
pensando num amor que não aconteceu...
esperando um amor que não seja..

consertar o que precisa ser consertado
observar quando necessário
falar o necessário, a verdade... a minha verdade.
sonhar... sempre.

Corações foram feitos para serem despedaçados
o meu já se acostumou com isso... e eu aprendi... sempre.
mas aquele amor tá aqui... não apaga, não some, não sai
porque é verdadeiro.