sexta-feira, janeiro 18, 2008

Sinais de uma Itália em grave dificuldade

Nunca, nos últimos cinqüenta anos, as organizações mafiosas ficaram tão ricas e a Igreja Católica tão saliente. Sinais de uma Itália em grave dificuldade, cuja metáfora é a monstruosa crise do lixo não recolhido que avassala Nápoles invadida por seus próprios dejetos e envergonha a nação toda. O enredo napolitano, que devolve à cidade cenários da Idade Média, encontra suas raízes na crescente expansão da Camorra, a máfia da Campânia, e na rivalidade entre suas diversas facções, a repetirem em outro cenário a guerra dos morros cariocas. Com a agravante de que em Nápoles estamos no chamado Primeiro Mundo. A coleta e a incineração do lixo dependem de estruturas controladas pelos camorristas e a crise mancomuna a todos eles em uma nítida e subversiva tentativa de atingir o próprio Estado. O qual, cabe sublinhar, não agiu quando ainda seria possível com êxito, ao se delinear o risco, há mais de dez anos. Crescente o poder mafioso. E crescente o poder eclesiástico, de sorte, neste terreno, a suscitar a resistência laica. Último episódio, o abaixo-assinado por 67 professores da Universidade La Sapienza de Roma contra a visita de Bento XVI, prevista para a quinta 17, no quadro das celebrações do 705º aniversário do mais antigo ateneu da capital. A iniciativa dos mestres recebeu a adesão de muitos estudantes, prontos a encenar manifestações de desagrado caso o papa cumprisse o programa, a prever, inclusive, um discurso. Na terça 15, Bento XVI anunciou sua desistência, a bem da “ordem pública”, e a mídia, no dia seguinte, lamentou contrita o ocorrido salvo raras exceções.

Os partidos da direita solidarizaram-se prontamente com o Vaticano, mais comedidos, políticos de centro-esquerda não deixaram de fazê-lo, enquanto o próprio presidente da República, Giorgio Napolitano, enviava ao papa uma carta pessoal. Para domingo 20, a Santa Sé organiza uma grande manifestação na Praça de São Pedro, debaixo das janelas do apartamento papal, e é fácil imaginar o fervor dos fiéis ofendidos pelos lentes de La Sapienza e seus alunos. Ocorre que a política italiana, que a partir dos anos 50 foi capaz de se afastar das pressões religiosas mesmo no tempo dos governos democrata-cristãos, hoje cede-lhes espaço e recoloca em questão regras de vida aceitas há tempo pelas sociedades contemporâneas. Quem reage parece correr a ameaça da condenação por heresia. Mas nunca um papa mereceu tantas atenções por parte da mídia italiana, não somente berlusconiana, mas também da RAI, a tevê estatal, que põe no vídeo Bento XVI várias vezes ao dia. Visões diferentes a respeito dos justos comportamentos de um Estado laico, como convém, figuram entre os motivos da divisão da Itália em duas porções praticamente iguais em tamanho e peso. O governo de Romano Prodi, às vésperas de completar seu segundo aniversário, não cumpriu boa parte de suas promessas eleitorais e luta para sobreviver.

Conseguiu reduzir drasticamente o déficit público, mas o país sofre problemas de crescimento, em níveis inferiores à média européia, com a perspectiva de um ano muito difícil por causa dos efeitos da possível recessão americana. A Itália não poderia sair incólume de cinco anos de governo Berlusconi, mas o centro-esquerda tem graves culpas em cartório, a começar pela demora em enfrentar a reforma eleitoral, indispensável para que os italianos tenham condições de votar em candidatos em lugar de partidos, que até hoje administraram os resultados eleitorais a seu talante. Neste quadro, mais um raio risca o céu carregado. O ministro da Justiça, Clemente Mastella, líder de um pequeno partido, chamado Udeur, acaba de ser submetido à investigação policial e se demite. Sua mulher, Sandra, presidente do Conselho da Região Campânia, fica em prisão domiciliar. Ambos acusados por vários crimes, em primeiro lugar por concussão. Campânia, terra da Camorra.

Texto publicado no Blog do Mino Carta: http://z001.ig.com.br/ig/61/51/937843/blig/blogdomino/2008_01.html#post_19047380

Um comentário:

Ando disse...

"Quem tem boca vai a Roma..."

O povo que deu origem ao "calor humano" brasileiro é quase uma grande família. Quase pq não é uma são várias grandes famílias. A família da máfia, a família da igreja católica, e várias outras subfamílias que se misturam incessantemente desde muito antes da nossa história.

A Itália sempre foi assim e assim sempre será. Esta não é a primeira crise e nem o primeiro grupo que busca poder num momento de instabilidade.

Que o mais forte vença!